26 de abr. de 2009


ROTEIRO DE UMA PAIXÃO

"Porto Alegre Porto Alegre
alegria
prá nós que precisamos
nós que somos mais tristes
que alegres
e vivemos esse tempo
essa morte
esse pássaro de febre"

A Porto Alegre de Luiz de Miranda se esgarça em tempos e temperaturas várias. É o que pode ser constatado no poema-livro "Porto Alegre - Roteiro da Paixão", publicado em 1985 pela LPM e, hoje, só encontrável em sebos e afins. Neste raro canto de amor a uma cidade trafegam pessoas, sonhos, anseios e frustrações. Nele, o poeta uguaianense expõe seus sentimentos domésticos antes que eles se esgarcem também em tempos e temperaturas várias.

"Subo a Salgado Filho
sem acender nenhum alarme
na carne
apenas os olhos conspiram
sem nada definir
sem nada incendiar
nenhum pedaço de mim
com os mesmos sapatos de borracha
a calça de brim
a camisa
colados no corpo
sem esperança (...)"


"Quanta vida
desfocada
desnutrida
em meio às alfaces suburbanas
e o barro de fezes no quintal
viajam aqui
ao lado de mim
neste ônibus da Vila Safira
e desliza dela, a vida
a pulsar anônima a distância(...)"

*Esse texto foi enviado por Timoteo Lopes, do Rio de Janeiro, colaborador do blog.


22 de abr. de 2009

Da coluna do Fernando Albrecht, “Começo de Conversa”, do Jornal do Comércio:

Curiosidades

22.04.2009

As cuecas do Marimbondo

“...desandou a gritar o nome da jornalista a plenos pulmões”

Saíram ou estão saindo dois livros sobre figuras populares do Centro de Porto Alegre (ver nas Notas de ontem), o que é muito bom. Mas nem todas as figuras constam neles. O popular Marimbondo é um deles.

Nos anos 60, ele era uma espécie de clown de uma turma de riquinhos que fazia ponto na Rua da Praia, em frente à Praça da Alfândega. Um episódio já contado aqui deu-se quando uma colunista do antigo Correio do Povo irritou-se com os gracejos da turma. Ela morava no edifício do Clube do Comércio e estava indo para a redação.

No dia seguinte, sua coluna tinha fortes críticas aos rapazes, inclusive com direito a retrato falado de alguns deles. A rapaziada vingou-se de forma exemplar usando o Marimba. Na saída da sessão das 22 horas dos cinemas Imperial e Guarani, quando saíam magotes de gente, devidamente instruído o Marimbondo plantou-se embaixo do prédio e olhando para cima, desandou a gritar o nome da jornalista a plenos pulmões, mais frases que escandalizaram os espectadores, porque dirigidas a uma solteirona que se supunha uma santa.

- As cuecas, me devolve pelo menos as cuecas, já que não me queres mais!

Havia outras figuras, como o Xerife (não o da Feira do Livro, o La Porta). Tinha um mau humor permanente e desancava todos que não lhe davam algum trocado. Morreu ao cair do bonde Duque, bem em frente do prédio da Caldas Júnior. Outro personagem era o Repolho. Seu apelido foi maldade pura: magrinho e pequeno, tinha uma hérnia volumosa abaixo da cintura. Quebrava galhos tipo pagar contas ou levar recados.

Toda a cidade, grande ou pequena, tem seus tipos populares. Geralmente o primeirão é o borracho, o tipo que de cara limpa é uma moça e bêbado é um desastre. Como o Cabeleira, em Montenegro. Mas essa já é outra história.

15 de abr. de 2009

Personagens do imaginário popular de Porto Alegre

Personagens que ao longo do tempo povoam com suas histórias o imaginário popular da cidade, por vivenciarem episódios quase sempre pitorescos, às vezes dramáticos ou cômicos, mas todos sempre curiosos e inusitados, foram reunidos num documentário que será lançado dia 23 de abril no Sindicato dos Bancários. O Projeto Personagens do Centro de Porto Alegre inclui ainda uma revista e um jogo educativo que serão distribuídos em escolas públicas.

14 de abr. de 2009

Um PAC para os Centros Históricos

O governo federal, através do Ministério da Cultura, estuda um meio de abrigar sob o generoso guarda-chuva do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) as 124 cidades históricas catalogadas no Brasil e reunidas na Associação Brasileira das Cidades Históricas. Porto Alegre e outros municípios poderiam tentar incluir seus Centros Históricos nessa proposta e assim garantir recursos para viablização de políticas públicas para a conservação e difusão de seus patrimônios urbanísticos e culturais.

6 de abr. de 2009


Mata Azul


*José da Silva e Albuquerque



Quando se sai por este mundão de meu Deus, quase sempre tangido pela necessidade, vamos deixando pedaços de nós mesmos aqui e ali, marcos do caminho percorrido, como se quiséssemos balizar a volta. Mas o inusitado, como um azorrague nos acompanha e dita os descansos e o campo de luta.

Vou aproveitar para escrever minha chegada a Porto Alegre no Itasussê. A modorrenta Porto Alegre dos anos trinta e nove que renascia no remanso das cinco da tarde, no esplendor de suas mulheres e no bulício que tomava conta da rua da praia.

Era domingo, fazia calor e era também dezembro; a cidade estava deserta. Eu vim para me demorar, por isso não tardei em procurar um lugar para onde meter meus alcotrefes, que com os livros, não eram poucos. Surpresa das surpresas: alguém gritou:

- Albuquerque!

Virei-me e um velho colega e amigo lá de Belém do Pará, vinha abraçar-me. São as surpresas tão in vero semelhantes que nos deixam perplexos. Não se preocupe, nesse calor o que assenta bem é um barril de chope. Pois tudo começou assim, e bem em frente a praça estava a bonança. Nos dessedentamos do corpo e da alma pois já nem me lembrava do banzeiro do navio, e com os pés fincados na terra já me sentia gaúcho potencial na euforia de minha mocidade, do álcool e do feitiço que adivinhei na terra, pegajosa como visgo.

Esses arranjos de chegada são como todos os outros e depende do humor de cada um, daquele que ama acima de tudo a embriaguez da novidade, ou daquele outro que se sente prisioneiro da meticulosidade. Eu queria acima de tudo me embriagar com os odores da terra e sentir-lhe o calor, pois o Mena Barreto me escaldara lá em Minas Gerais da Sibéria que me esperava lá nos pampas. O odor do Rio Grande me fazia lembrar meu adusto Cariri e eu comecei a me identificar com a terra natal que abraçara por opção.

Mas, de que vos quero falar é da mata azul. Não me lembro porque andava por aquelas lonjuras, nas cercanias do seminário de Viamão nos idos de 1939! Embevecido com a natureza, deparei-me com um trato de mata como nunca vira. Era a mata azul. Os pinheiros colgavam com suas copas de um verde esmaecido o azul do céu, e me deram a impressão de que céu e mata se fundiam em um só, já que nunca vira uma floresta nativa de Araucária, uma obra prima de uniformidade, como se todas tivessem o mesmo pulmão e de um hausto, todas pudessem respirar o mesmo céu.

O sol descambava lá no horizonte com essa preguiça pachorrenta de enfeitar a tarde com laivos carmesim de gradações infinitas. A luz do sol de soslaio iluminava a monumentalidade daqueles troncos retilíneos que alcançavam limites do céu e da terra, e no meu alheamento não encontrei nem lágrimas nem contrição para celebrar a ingenuidade de minhas primeiras crenças diante daquele monumento singular que a hora e o silêncio bendiziam.

Não pensem vocês que me abismara em ver a mata azul porque só vira os carrapichos de meu esquelético sertão. Não, eu já vira a mata tropical com seus liames de cipós, a tecedura que por vezes torna-a impérvia, e ai daquele que tem um bom terçado e se sente seguro para desafiá-la. Um aranhol de cipós pode estar a serviço da terrível unha de gato, que dilacera a roupa e, com ela, bons nacos de carne. Cem metros de mata, para quem não é mateiro, é o suficiente para sentir-se perdido e desorientado, porque a mata sufoca e não dá qualquer chance, senão o caminho inverso percorrido para a salvação.

Essa mata primitiva esta no fim, geralmente no pronto-socorro de alguma instituição ou mesmo na UTI de alguma universidade pública que este governo teima em destruir. Mas não nos poderemos esquecer que essa mata forneceu, por sua qualidade e dureza, o madeirame para o nosso surto, o primeiro, da agro industria açucareira.
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*José da Silva e Albuquerque, médico veterinário, paraibano que adotou o Rio Grande.
Observador, registrou suas impressões da cidade e do tempo em que viveu.